Venâncio, [...] que sabia muito bem grego, disse que Aristóteles havia dedicado especialmente ao riso o segundo livro da Poética e que, se um filósofo daquela grandeza havia consagrado um livro inteiro ao riso, o riso devia ser uma coisa importante. [...] [D]isse que, pelo que sabia, Aristóteles havia falado do riso como uma coisa boa e um instrumento da verdade, e então Jorge lhe perguntou com sarcasmo se, por acaso, ele havia lido este livro de Aristóteles, e Venâncio disse que ninguém poderia lê-lo mais, porque nunca mais foi encontrado e talvez estivesse perdido. [...]. Então Jorge disse que se ninguém o encontrava era porque nunca havia sido escrito, porque a Providência não queria que fossem glorificadas as coisas fúteis (tradução nossa).
Isso foi o que disse Bêncio, personagem de Umberto Eco do famoso romance O nome da rosa; porém, parece que, providencialmente, algum professor de retórica do século VI leu, sim, a Poética II e tomou algumas notas, e essas notas, sob a forma do que conhecemos hoje como o Tratado Coisliniano, vieram parar nas páginas desta importante antologia de poéticas sobre o teatro antigo, organizada por Leandro Dorval Cardoso.
Mas não só de Aristóteles viveu o homem do Medievo. Horácio (Arte poética), Luciano (Sobre a dança), Júlio Pólux (Onomastikón), Tertuliano (Sobre os espetáculos), Evâncio (Sobre o teatro) e Donato (Sobre a comédia) ajudaram, decisivamente, a compor, descrever e criticar o cânone criativo das artes dramáticas entre os séculos I e X; e, se nenhuma de suas obras ganhou um best-seller ou um filme com Sean Connery, esta antologia agora faz jus ao valor e à relevância de suas poéticas.
Este volume reúne, num formato bilíngue, sete textos fundamentais sobre os espetáculos teatrais antigos, com traduções (a maioria inédita em português) e estudos introdutórios de seis especialistas. Venâncio diria que é coisa importante.
Beethoven Alvarez